Nosso Lar I- NAS ZONAS INFERIORES


          Eu guardava a impressão de haver perdido a idéia do tempo. Estava convicto de não mais pertencer ao número de encarnados no mundo, e no entanto, meus pulmões respiravam a longos haustos. Sentia-me, na verdade, amargurado duende nas grades escuras do horror.
          Cabelos irisados, coração aos saltos, medo terrível. Muita vez gritei como louco, mas, quando o silêncio implacável não me absorvia a voz, lamentos mais comovedores, que os meus respondiam-me aos clamores.
          Outras gargalhadas sinistras rasgavam a quietude ambiente. Alguém estava ao meu ver, prisioneiro da loucura. Formas diabólicas, rostos alvares, expressões animalescas surgiam de quando em quando, agravando-me o assombro.
          A paisagem, quando não totalmente escura banhada de luz alvacenta, como que amortalhada em neblina espessa, que os raios do sol, aqueciam de muito longe. A estranha viagem prosseguia. Sabia que fugia sempre.
          Apenas em minutos raros, felicitava-me a benção do sono. Onde o lar, a esposa e os filhos? Perdera toda a noção do tempo.
          Em momento algum o problema religioso surgiu tão profundo a meus olhos. Verificava que alguma coisa, permanece acima de toda a cogitação meramente intelectual. Esse algo é a Fé, manifestação Divina ao homem. Semelhante análise surgia, contudo tardiamente. De fato, conhecia as letras do Velho Testamento, e muita vez folheara o Evangelho, entretanto era forçoso reconhecer que nunca procurara as letras com a luz do coração
          Na verdade, não fora um criminoso, no meu próprio conceito. A filosofia das coisas imediatas, absorveram-me. Como flor de estufa, não suportava agoira o clima das realidades eternas. Não desenvolvera os germens Divinos que o Senhor da Vida colocara em minha alma. Sufocara-os criminosamente, no desejo do bem estar. Não adestrara órgãos para a vida nova.
          Era justo, pois que ali despertasse à maneira de aleijado que restituído ao rio infinito da eternidade, não pudesse acompanhar se não a força, a carreira incessante das águas
          O! amigos da Terra! Quantos de vós poderíeis evitar o caminho da amargura com preparo dos campos interiores do coração?
          Ascendei vossas luzes, antes de atravessar a grande sombra. buscai a verdade, antes que a verdade vos surpreenda. Suai agoira, para não chorardes depois.

          _"Suicida!... Suicida!...Criminoso! infame!"- gritos assim, cercavam-me de todos os lados. No meu desespero, atacava-os. m vão porem, esmurrava o ar e os vultos desapareciam nas sombras.
          Para quem apelar? Torturava-me a fome e a sede me escaldava. Crescera-me a barba, a roupa começava a romper-se. E aquelas vozes, aqueles lamentos misturados de acusações......
          _Que buscas infeliz!... Onde vais suicida ?
          Infeliz sim, mas suicida?- nunca! Isso era improcedente.
          Recordava o meu duelo com a morte, os curativos dolorosos nos dias longos que se seguiram à delicada operação dos intestinos, o pique desagradável da agulha de injeções e, por fim a ultima cena que precedera o grande sono:
          _ Minha esposa ainda jovem e os três filhos, contemplando-me, no terror da eterna separação.
          Depois... o despertar na paisagem úmida e escura e a grande caminhada que parecia sem fim. Senti que lágrimas longamente represadas vinham-me aos olhos. A quem recorrer ?
          Devorava folhas desconhecidas, e colava os lábios à nascente turva, recordando o antigo pão de cada dia, vertendo copioso pranto.
          Foi quando comecei a recordar que devia existir um autor da vida. Fosse onde fosse. Essa idéia confortou-me. Médico arraigado ao negativismo da minha geração, impunha-se-me atitude renovadora. Tinha que confessar a falência do amor próprio.
          Pedi então ao Supremo Autor da vida, me estendesse mãos paternais, em tão amargurosa emergência. Quanto tempo durou a rogativa, Apenas sei que a chuva de lágrimas me lavou o rosto.
          Ah! é preciso haver sofrido muito, para entender todas as misteriosas belezas do coração.


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