Ação Espírita na Transformação do Mundo


Três são os elementos fundamentais de que o Espiritismo se serve para transformar o nosso mundo num mundo melhor e mais belo:
a) Amor,
b) Trabalho,
c) Solidariedade.

1 – Amor

O amor abrange a compreensão e a tolerância, pois quem ama compreende o ser amado e sabe tolerá-lo em todas as circunstâncias. Abrange também a Verdade, pois quem ama sabe que o alvo supremo do Amor é a Verdade. Ninguém ama a mentira, pois mesmo os mentirosos apenas a suportam na falta da verdade. O amor egoísta do homem por si mesmo expande-se no desenvolvimento psicobiológico como, segundo já vimos, em amor altruísta, amor pelos outros, a partir do núcleo familial até à Sociedade, à Pátria e à Humanidade. Alguns espíritas dizem que os espíritas não têm pátria, pois sabem que todos podemos renascer em várias nações. Isso é uma incongruência, pois então não poderíamos também amar pai e mãe, que variam nas encarnações sucessivas. O Amor não tem limites, mas nós, os homens, somos criaturas limitadas e estamos condicionados, em cada existência, pelas limitações da condição humana. Amamos de maneira especial aqueles que estão ligados a nós nesta vida ou se ligaram a nós em vidas anteriores. Amamos a todos os seres e a todas as coisas na proporção do nosso alcance mental de compreensão da realidade. E amamos a nossa Terra, o pedaço do mundo em que nascemos e vivemos e a parte populacional a que pertencemos, no recorte da população mundial que corresponde população da nossa terra. E amamos os que estão além da Terra, nas zonas planetárias espirituais, como amamos, por intuição mental e afetiva, a todos os seres e coisas de todo o Universo.

O ilimitado do Amor se impõe aos limites temporários da nossa condição imediata. E é esse o nosso primeiro degrau para a transcendência espiritual. Na proporção em que a nossa capacidade infinita de amar se concretiza na realidade afetiva (nascida dos sentimentos profundos e verdadeiros do amor) sentimo-nos elevados a planos superiores de afetividade intelecto-moral, respeitando progressivamente todas as expressões da vida e da beleza em todo o Universo. O Amor não é gosto, nem preferência, nem desejo – é afeição, ou seja, afetividade em ação, fluxo permanente de vibrações espirituais do ser que se expandem em todas as direções da realidade. Foi por isso que Francisco de Assis amou com a mesma ternura e o mesmo afeto, chamando-os de irmãos, aos minerais, aos vegetais, aos animais, aos homens e aos astros no Infinito. As ondas do Amor atingem a todas as distâncias, elevações e profundidades, não podendo ser medidas, como fazemos com as ondas hertzianas do rádio. Depois de ultrapassar os limites possíveis da Criação, o Amor atinge o seu alvo principal, que é Deus, e Nele se transfunde.
O Espiritismo aprofunda o conhecimento da Realidade Universal e não pretende modificar o Mundo em que vivemos através de mudanças superficiais de estruturas. Essa é a posição dos homens diante dos desequilíbrios e injustiças sociais. Mas o homem-espírita vê mais longe e mais fundo, buscando as causas dos efeitos visíveis. Se queremos apagar uma lâmpada elétrica não adianta assoprá-la, é necessário apertar a chave que detém o fluxo de eletricidade. Se queremos mudar a Sociedade, não adiante modificar a sua estrutura feita pelos homens, mas modificar os homens que modificam as estruturas sociais. O homem egoísta produz o mundo egoísta, o homem altruísta produzirá o mundo generoso, bom e belo que todos desejamos. Não podemos fazer um bom plantio com más sementes. Temos de melhorar as sementes.
As relações humanas se baseiam na afetividade humana. Não há afetos entre corações insensíveis. Por isso a dor campeia no mundo, pois só ela pode abalar os corações de pedra. Mas o Espiritismo nos mostra que o coração de pedra é duro por falta de compreensão da realidade, de tradições negativas que o homem desenvolveu em tempos selvagens e brutais. Essas relações se modificam quando oferecemos aos homens uma visão mais humana e mais lógica da Realidade Universal. Essa visão não tem sido apresentada pelos espíritas, que, na sua maioria, se deixam levar apenas pelo aspecto religioso da doutrina, assim mesmo deformado pela influência de formações religiosas anteriores. Precisamos restabelecer a visão espírita em sua inteireza, afastando os resíduos de um passado de ilusões e mentiras prejudiciais. Se compreenderem a necessidade urgente de se aprofundarem no conhecimento da doutrina, de maneira a formarem uma sólida e esclarecida convicção espírita, poderão realmente contribuir para a modificação do mundo em que vivemos. Gerações e gerações de espíritas passaram pela Terra, de Kardec até hoje, sem terem obtido sequer um laivo de educação espírita, de formação doutrinaria sistemática. Aprenderam apenas alguns hábitos espíritas, ouviram aulas inócuas de catecismo igrejeiro, tornaram-se, às vezes, ardorosos na adolescência e na juventude (porque o Espiritismo é oposição a tudo quanto de envelhecido e caduco existe no mundo), mas ao se defrontarem com a cultura universitária incluíram a doutrina no rol das coisas peremptas por não terem a menor visão da sua grandeza. Pais ignorantes e filhos ignorantes, na sucessão das encarnações inúteis, nada mais fizeram do que transformar a grande doutrina numa seita de papalvos. Duras são e têm de ser as palavras, porque ineptas e criminosas foram as ações condenadas. A preguiça mental de ler e pensar, a pretensão de saber tudo por intuição, de receber dos guias a verdade feita, o brilhareco inútil e vaidoso dos tribunos, as mistificações aceitas de mão beijada como bênçãos divinas e assim por diante, num rol infindável de tolices e burrices fizeram do movimento doutrinário um charco de crendices que impediu a volta prevista de Kardec para continuar seu trabalho. Em compensação, surgiram os reformadores e adulteradores, as mistificações deslumbrantes e vazias e até mesmo as séries ridículas de reencarnações do mestre por contraditores incultos de suas mais valiosas afirmações doutrinárias.
Este amargo panorama afastou do meio espírita muitas criaturas dotadas de excelentes condições para ajudarem o movimento a se organizar num plano superior de cultura. Isso é tanto mais grave quanto o nosso tempo que não justifica o que aconteceu com o Cristianismo deformado totalmente num tempo de ignorância e atraso cultural. Pelo contrário, o Espiritismo surgiu numa fase de acelerado desenvolvimento cultural e espiritual, em que os espíritas contaram e contam com os maiores recursos de conhecimento e progresso de que a humanidade terrena já dispôs. Todos os grandes esforços culturais em favor da doutrina foram negligenciados e continuam a sê-lo pela grande maioria dos espíritas de caramujo, que se encolhem em suas carapaças e em seus redutos fantásticos. Falta o amor pela doutrina, de que falava Urbano de Assis Xavier; falta o amor pelos companheiros que se dedicam à seara com abnegação de si mesmos e de suas próprias condições profissionais e intelectuais; falta o amor pelo povo faminto de esclarecimentos precisos e seguros; falta o amor pela Verdade, que continua sufocada pelas mentiras das trevas.
Os médiuns de grandes possibilidades se vêem cercados de multidões interesseiras, que os levam quase sempre ao fracasso ou ao esgotamento precoce. Só os interessados os procuram: os que pretendem aproveitar suas produções em proveito próprio; os que desejam apenas dizer-se íntimos do médium; os que procuram consolação passageira em sua presença; os que buscam sugar-lhes os benefícios fluídicos e assim por diante. Os próprios médiuns acabam muitas vezes entregando-se ao desânimo e desviando-se para outros campos de atividade onde, pelo menos, poderão gozar de convivências menos penosas.
A exploração inconsciente e consciente dos médiuns pelos próprios adeptos da doutrina é um dos fatores mais negativos para o desenvolvimento do Espiritismo em nosso país e no mundo. A contribuição que eles poderiam dar para a execução das metas doutrinárias perde-se na miudalha das consultas pessoais e nas mensagens cotidianas de sentido religioso-confessional, mais tocadas de emoção embaladora do que de raciocínio e esclarecimento. É isso o que todos pedem, como crianças choramingas acostumadas a dormir ao embalo das cantigas de ninar. Até mesmo um médium como Arigó, dotado de temperamento agressivo como João Batista e assistido por uma entidade positiva como Fritz, acabou envolvido numa rede de interesses contraditórios que o envolveram através de manobras que o aturdiram, misturadas a calúnias e campanhas difamatórias que o levaram, na sua ignorância de roceiro inculto, a precipitar-se, sem querer, na sua destruição precoce. As grandes teses da Doutrina Espírita não foram suficientes para mobilizar os espíritas em favor do médium, resguardando-o e facilitando, pelo menos, a investigação dos cientistas norte-americanos, de diversas Universidades e da NASA, que tentaram desesperadamente colocar o problema em termos de equação científica. O que devia ter sido uma vitória da Verdade em plano universal reverteu-se em mesquinho episódio de disputas profissionais acirradas por clérigos e médicos de visão rasteira. E tudo isso por que estranho motivo? Porque os espíritas não foram capazes de sair de suas tocas, empunhando as armas poderosas da doutrina, para enfrentar o conluio miserável das ambições absorventes e vorazes.
Cada espírita, ao aceitar e compreender a grandeza da causa doutrinária e sua finalidade suprema – que é a transformação moral, social, cultural e espiritual do nosso mundo – assume um grave compromisso com a sua própria consciência. O aparecimento de um médium como Chico Xavier ou Arigó não tem mais o sentido restrito do aparecimento de uma pitonisa ou um oráculo no passado, mas o do aparecimento de um João Batista ou de um Cristo na fase crítica da queda do mundo clássico greco-romano, da trágica agonia da civilização mitológica. Mas após um século da semeadura evangélica, na hora certa e precisa da colheita, vemos de novo o povo eleito enrolado em intrigas na Porta do Monturo, enquanto os romanos crucificam entre ladrões os que se imolaram em reencarnações providenciais.
Essa mentalidade de corujas agoureiras, e troianos que não ouvem Cassandra, decorre do egoísmo (essa lepra do coração humano, segundo a expressão Kardeciana) do comodismo e da preguiça mental. A falta de estudo sério e sistemático da doutrina, que permite a infiltração de elementos estranhos no corpo doutrinário, causando-lhe deformações rebarbativas e fantasiadas de novidades, avilta a consciência espírita com a marca de Caim nos grupos de traidores. Esses traidores não traem apenas à doutrina, ao Cristo e a Kardec, mas também à Humanidade e ao Futuro. Onde fica o princípio do Amor em tudo isso? Quem revelou amor à Verdade? Quem provou amar e respeitar a doutrina? Quem mostrou amar ao seu semelhante e por isso querer realmente ajudá-lo, orientá-lo, esclarecê-lo? A esse fim superior sobrepõe-se o interesse falso e mesquinho de fazer bonito aos olhos que necessitam de luz, bancar saberetas para os que nada sabem, impor a criaturas ingênuas a sua maneira mentirosa de ver o ensino puro e claro de Kardec.
O amor não está nos que se acumpliciam, se comprometem reciprocamente na trapaça, enleando-se na solidariedade da profanação consciente ou inconsciente, O amor está nos que repelem a farsa e condenam o gesto egoísta dos escamoteadores da verdade em proveito próprio, levando multidões ingênuas e desprevenidas à deturpação da doutrina esclarecedora. O amor, nesse caso, pode parecer impiedade, mas é piedade, pode assemelhar-se à injúria e agressão, mas é socorro e salvação. As condenações violentas de Jesus a escribas e fariseus não foram ditadas pelo ódio, mas pela indignação justa, necessária, indispensável do Mestre, que sacudia aquelas almas impuras para livrá-las da impureza com que aviltavam o simples. Quem não tiver condições para compreender isso deve ter pelo menos a humildade de André Luiz, o médico lançado às zonas umbralinas, de contentar-se com trabalhos de limpeza e lavagem nos hospitais dos planos superiores para aprender a grandeza da humildade, a nobreza dos pequeninos, ao invés de rebelar-se contra as leis divinas da busca da Verdade. Nosso movimento espírita, como todo o negro panorama religioso da Terra, está cheio de ignorantes revestidos ou não de graus universitários, que se julgam mestres iluminados e são apenas os cegos do Evangelho que levam outros cegos ao barranco. Impedi-los de cometer esse crime de vaidade afrontosa é o dever dos que sabem realmente amar e servir. “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!” advertiu Jesus, não para condená-los ao fogo do Inferno, mas para salvá-los do inferno de si mesmos.

2 – Trabalho

O trabalho é exigência do princípio de transcendência. O homem trabalha por necessidade, como querem os teóricos da Dialética Materialista, mas não apenas para suprir as suas necessidades físicas de subsistência e sobrevivência. Não só, como querem os teóricos da vontade de potência, para adquirir poder. E nem só, também, como pretendem Bentham e os teóricos da ambição, para acumular posses que representam poder. A busca das causas, nesse campo, morreria no plano das causas secundárias. Mas a Filosofia Existencial, em nosso tempo, descobrindo o conceito de existência e definindo o homem como o existente (aquele ser que existe, sabe que existe e luta para existir cada vez mais e melhor), mostrou e provou que a natureza humana é subjetiva e não objetiva (externa e material) e que a mola do mundo não está nos braços e nas mãos, mas na consciência. Confirmou-se assim, no plano geral da Cultura, o tantas vezes rejeitado e ridicularizado conceito espírita do trabalho. Em O Livro dos Espíritos temos a afirmação de que tudo trabalha na Natureza. Essa tese espírita antecipou a tese de John Dewey sobre a natureza universal da experiência. Em todo o Universo há forças em ação, inteligentemente dirigidas segundo planos determinados. Nada se fez ao acaso. Em termos atuais de eletrônica podemos dizer que o universo é uma programação gigantesca de computadores em incessante atividade rigorosamente controlada. De um grão de areia a uma constelação estelar, de um fio de cabelo e de um vírus isolado até às maiores aglomerações humanas dos grandes parques industriais do mundo, tudo trabalha. O próprio repouso é uma forma de diversificação do trabalho para recuperações e reajustes nos organismos materiais e nas estruturas psicomentais do homem. As criaturas humanas que só trabalham para si mesmas ainda não superaram a condição animal. Vivem e trabalham, mas não existem. Porque existir é uma forma superior de viver, que inclui em seu conceito plena consciência das atividades desenvolvidas com finalidades transcendentes.
No próprio desenvolvimento da Civilização o trabalho individual se abre, progressivamente, nos processos de distribuição, para o plano superior do trabalho coletivo. Por isso, é no trabalho e através do trabalho que o homem se realiza como ser, desenvolvendo suas potencialidades. A extrema especialização da Era Tecnológica nasceu nas selvas, quando nos primeiros clãs o homem se incumbiu da guerra, da caça e da pesca, e a mulher da criação, alimentação e orientação dos filhos. A Revolução industrial na Inglaterra marcou um momento decisivo da evolução humana para a consciência da solidariedade. É no esforço comum e conjugado das relações de trabalho que se desenvolve o senso de comunidade, provando a necessidade do princípio espírita de solidariedade e tolerância para o maior rendimento, maior estímulo e maior aperfeiçoamento das técnicas de produção. À concorrência de mercado, que estimula a ganância e a voracidade dos indivíduos e dos grupos, das empresas e dos sistemas de produção, opõe-se a conjugação das consciências, na solidariedade do trabalho comum, com vistas ao bem-estar de todos. Os teóricos que condenam as comunidades de trabalho voltadas para o interesse da maioria reduzem a finalidade superior do trabalho a interesses mesquinhos de enriquecimento individual e de grupos. A própria realidade os contesta com o espetáculo gigantesco do trabalho da Natureza, voltado para a grandeza do todo. Remy Chauvin considera os insetos sociais como expressões de sistemas coletivos de trabalho e de vida em que o egoísmo individualista e grupal (sociocentrismo) não impediu o desenvolvimento normal da solidariedade. A Natureza inteira é um exemplo que o homem rejeita em nome do seu egoísmo, da sua vaidade e das suas ambições desmedidas. Esses três elementos funcionaram na espécie humana como pontos hipnóticos que impediram o livre fluxo das energias livres do trabalho, condensando-as em formas institucionais absorventes. As tentativas de romper essas formas por métodos violentos representam uma reação instintiva que leva fatalmente, como o demonstra o panorama histórico atual, a novas formas de condensação. Esse circulo vicioso só pode ser rompido por uma profunda e geral compreensão do verdadeiro sentido do trabalho, que não leva a lutas e dissensões, mas à conjugação e harmonização de todas as fontes e todos os recursos do trabalho, nos mais diferenciados setores de atividade. A proposição espírita nesse sentido, como foi em seu tempo a proposição cristã original, encarna os mais altos ideais da espécie, voltados para o trabalho comunitário em ação e fins.
Hegel observou, em seus estudos de Estética, que a dialética do trabalho se revela nos reinos da Natureza. O mineral é a matéria-prima das elaborações futuras, apresentando-se como concentração de energias que formam as reservas básicas; o vegetal é a doação em que as forças do mineral se abrem para a floração e os frutos da vida; o animal é a vida em expansão dinâmica, síntese das elaborações dos dois reinos anteriores, endereçando esses resultados ao futuro, à síntese superior do Homem, no qual as contradições se resolvem na harmonia psicofísica e espiritual da criatura humana, dotada de consciência. Cabe agora a essa consciência elaborar a grandeza da Terra dos Homens (segundo a expressão de Saint-Exupéry). Por sinal que Exupéry, aviador, poeta e profeta, representa o arquétipo atual da evolução humana, na busca do Infinito. Por isso, Simone de Beauvoir considerou a Humanidade, não como a espécie a que nos referimos por alegoria com os planos inferiores, mas como um devir, um processo de mutações constantes na direção do futuro. Hoje somos ainda projeções dos primatas obtusos e violentos, antropófagos (segundo Tagore) devoradores de si mesmos e dos semelhantes, escarnecedores e aviltadores da condição humana. Mas amanhã seremos homens, criaturas humanas que encarnarão as forças naturais sob o domínio da Razão e da Consciência. Teremos então a República dos Espíritos, formada pela solidariedade de consciências de que trata René Hubert em sua Pedagogia Generale.
Como vemos através desses dados, a Doutrina Espírita não nos oferece uma visão utópica do amanhã, mas uma precognição do homem em sua condição espiritual, sem as deformações teológicas e religiosas da visão comum, calcada em superstições e idealizações rebarbativas. Tendo penetrado objetivamente no mundo das causas, um século antes que as Ciências Materiais o fizessem, a Ciência Espírita, experimental e indutiva – e que tem agora todos os seus princípios fundamentais endossados por aquelas, em pesquisas de laboratório e tecnológicas não formulou uma estrutura dogmática de pressupostos para figurar o homem de após morte e o homem do futuro. A imagem que nos deu do homem novo há um século está hoje plenamente confirmada pelos fatos. A controvertida questão da sobrevivência espiritual foi resolvida tecnologicamente de maneira positiva, comprovando a tese espírita. Falta pouco para romper-se, nas mãos já trêmulas dos teólogos, a Túnica de Nessus da dogmática religiosa, que gerou por toda parte angústias e desesperos. Estamos agora em condições de pensar tranqüilamente num futuro melhor para a Humanidade em fases melhores da sua evolução. Podemos agora nos integrar conscientemente na gigantesca oficina de trabalhos da Terra, preparando o caminho das gerações vindouras. As revelações não nos chegam mais de mão beijada, pois, como ensina Kardec, brotam dos esforços conjugados do homem esclarecido com os espíritos conscientes. Os dois mundos em que nos movemos, o espiritual e o material, abriram as suas comportas para que as suas águas se encontrem no esplendor de uma nova aurora. E o Sol que acende essa aurora não é mais uma chama solitária na escuridão total dos espaços vazios, mas apenas uma tocha olímpica entre milhões de tochas que balizam as conquistas futuras do homem na escalada sem-fim. Prometeu não será mais sacrificado por querer roubar o fogo celeste de Zeus, pois esse fogo é o mesmo que resplandece no corpo espiritual da ressurreição, que brilha na alma humana e define a sua natureza divina. Basta-nos continuar em nossos trabalhos para termos a nossa parte assegurada na Herança de Deus, pois como ensinou o Apóstolo Paulo, somos herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. O conhecimento é a nossa fé, que não se funda em palavras, sacramentos e ídolos mortos, mas na certeza das verificações positivas e nas conquistas do trabalho humano, gerador constante de novas formas de energia para a escalada humana da transcendência.

3 – Solidariedade

A solidariedade espírita se manifesta particularmente no campo da assistência à pobreza, aos doentes e desvalidos. O grande impulso nesse sentido foi dado, desde o início do movimento doutrinário na França, pelo livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, que trabalhou em silêncio na elaboração dessa obra, sem nada dizer a ninguém. Selecionou numerosas mensagens psicografadas, procedentes de diversos países em que o Espiritismo já florescia. Sua intenção era oferecer aos espíritas um roteiro para a prática religiosa, baseado no que ele chamava de essência do ensino moral do Cristo. Conhecendo profundamente a História do Cristianismo e as dificuldades com que os originais do Evangelho haviam sido escritos, em épocas e locais diferentes, bem como o problema dos evangelhos apócrifos e das interferências mitológicas nos textos canônicos e as interpolações ocorridas nestes, afastou todos esses elementos espúrios para oferecer aos espíritas uma obra pura, despojada de todos os acessórios comprometedores. Seu trabalho solitário e abnegado deu-nos uma obra-prima, que conta com milhões de exemplares incessantemente reeditados no mundo. Essa obra foi ameaçada com a tentativa de adulteração. Foi o maior atentado que a obra de Kardec já sofreu no mundo, pior que a queima de seus livros em Barcelona pela Inquisição Espanhola. Muito pior, porque foi um atentado provindo dos próprios espíritas, através de uma instituição doutrinária que tem, por obrigação estatutária, defender, preservar e divulgar a Doutrina Espírita codificada por Kardec. A conseqüência mais grave desse fato lamentável foi a quebra da solidariedade espírita, a desconfiança e a mágoa provocadas entre velhos companheiros. O ataque das Trevas à vaidade e à ignorância de alguns espíritas invigilantes produziu os efeitos necessários. Sirva o exemplo doloroso para todos os que assumem encargos doutrinários, julgando receber prebendas e consagração. A vaidade excitada leva monges de pedra a se julgarem poderosos na aridez e na solidão dos desertos.
A solidariedade espírita não é apenas interna, entre os adeptos e companheiros. Projeta-se pelo menos em três dimensões:
a) no plano social geral da comunidade espírita, além dos grupinhos domésticos e das instituições fechadas;
b) envolve todas as criaturas vivas, protegendo-as, amparando-as, estimulando-as em suas lutas pela transcendência, procurando ajudá-las sem nada pedir em troca, nem mesmo a simpatia doutrinária, pois quem ajuda não tem o direito de impor coisa alguma;
c) eleva-se aos planos superiores para ligar-se a Kardec e sua obra, a todos os espíritos esclarecidos que lutam pela propagação do Espiritismo no mundo e a Deus e a Jesus na Solidariedade cósmica dos mundos solidários.
Nessas três dimensões a Solidariedade Espírita realiza, como que apoiada em três poderosas alavancas, o esforço supremo de elevação do mundo, estimulando a transcendência humana. As mentes que ainda não atingiram a compreensão desse processo podem fechar-se em grupos e instituições de tipo igrejeiro, isolando-se em seus ambientes de furna, onde os espíritos mistificadores e embusteiros se acoitam facilmente. Mas na proporção em que os adeptos assim isolados, ou pelo menos alguns deles, procurarem realmente compreender a doutrina, a situação se modificará, despertando os indolentes para atividades maiores.
Todo trabalho espírita é exigente e penoso, porque faz parte de uma grande batalha – a da Redenção do Mundo, iniciada pelo jovem carpinteiro Jesus, filho de Maria e José. Essa batalha não é a de Deus contra o Diabo, o estranho anjo de luz que se revoltou para fundar o Inferno. Essa ingênua concepção das civilizações agrárias e pastoris teve o seu tempo e a sua função, o seu efeito de controle em fases de barbárie, mas não passa de uma alegoria inadequada ao nosso tempo. Tudo no Evangelho, como Kardec demonstrou, desde que afastado do clima mitológico, torna-se claro e demonstra a posição evidentemente racional do Cristo. O jovem carpinteiro não pertencia à Era Mitológica e encerrou essa era com a sua passagem pela Terra e a propagação do seu ensino. O mito vingou-se dele, pois o transformou também em mito. Por muito tempo, até aos nossos dias, a figura humana de Jesus figurou na nova mitologia, na fase romana do Renascimento Mitológico, em que se destacou a figura do Imperador Juliano, o Apóstata, que depois de aceitar o Cristianismo apostatou-se e empenhou-se na salvação dos seus deuses antigos. Os resíduos da mentalidade mitológica das civilizações arcaicas, particularmente a Grega e a Romana, reagiram, como era natural, contra o racionalismo cristão. Dessa maneira, na mente das populações bárbaras do Império Romano decadente, Jesus foi transformado num mito da Era Agrária. Os padres e bispos do Cristianismo nascente, todos impregnados pela carga mitológica de um longo passado de ignorância e superstições, não foram capazes de compreender o racionalismo das proposições cristãs. Pelo contrário, cheios de temor e de espanto, contribuíram para a deformação do Cristianismo. Antes e depois da queda do Império, os cristãos fizeram concessões necessárias aos povos bárbaros para absorvê-los no seio da Religião Redentora. Onde quer que os cristãos se impusessem pela força do número e das armas, as igrejas pagãs eram transformadas em templos cristãos, conservando-se cautelosamente as tradições mitológicas mais arraigadas. O exemplo clássico e mais conhecido dessa tática romana é a Catedral de Notre Dame, em Paris, que ainda guarda nos seus subterrâneos os restos do templo pagão da Deusa Lutécia. A Deusa pagã foi conservada no templo, mas com o nome de Nossa Senhora, para que o povo ingênuo aceitasse assim o culto cristão a Maria sob o prestígio secular da deusa pagã. Blavatsky lembra que a Deusa Céres, divindade da fecundação e em muitas regiões, mais especificamente, deusa dos cereais, forneceu ao Cristianismo nascente uma das mais conhecidas imagens de Nossa Senhora, em que ela é representada com o manto estrelado do Céu, em pé sobre o globo terreno: Céres cobrindo a Terra com seu manto celeste para fecundá-la. Esse mesmo processo de transposição ocorre hoje no Sincretismo Religioso Afro-Brasileiro e nas formas de sincretismo de outros países da América, onde os ritos e as figuras dos deuses ou santos católicos são absorvidos pelas religiões africanas transplantadas pelo tráfico negreiro de escravos ao novo continente. Jesus virou Oxalá, Nossa Senhora virou Iemanjá, São Jorge virou Ogum (deus da guerra), São Sebastião virou Oxum (deus da caça, e assim por diante) .
Basta lermos o Livro de Atos dos Apóstolos, no Evangelho, e as epístolas de Paulo (anteriores aos Evangelhos) para termos a confirmação dessa verdade histórica. Na primeira epístola de Paulo aos Coríntios, no tópico referente aos Dons Espirituais, temos uma descrição viva do chamado culto pneumático (do Grego: Pneuma, sopro, espírito), as sessões mediúnicas realizadas pelos primeiros cristãos e nas quais, segundo as pesquisas históricas modernas, que confirmam os dados da Tradição, manifestavam-se espíritos inferiores cheios de ódio a Cristo. Essas manifestações assustadoras foram consideradas como diabólicas, reforçando a imagem tradicional do Diabo na mente ingênua dos adeptos.
A luta entre o Bem e o Mal é simplesmente o processo dialético da evolução. O Mal é a ignorância, o atraso, a superstição. O Bem é o conhecimento, o progresso, a adequação da mente à realidade. Essa é a grande luta das coisas e dos seres, figurada na revolta absurda de Luzbel, o anjo de luz que se entregou à inveja e converteu-se em adversário de Deus. Esses símbolos de um passado bárbaro e longínquo ainda prevalecem na Terra como resíduos míticos que o tempo desgasta na proporção em que a Cultura se desenvolve. A Ciência incumbiu-se de ajustar a mente humana à realidade terrena, mas os homens se envaideceram e negaram-se a si mesmos nas idéias materialistas, colocando-se abaixo de tudo quanto existe. Duro castigo que o orgulho humano ainda não reconheceu. A Ciência afirma que nada se perde na Natureza, tudo se transforma. O homem aprova isso com entusiasmo e sorri de si mesmo (sem perceber), pois só ele não subsiste, só ele é pó que reverte ao pó. Essa é a verdadeira queda do homem, que se rebaixa ao pó num mundo em que tudo se eleva incessantemente na direção dos planos superiores. A tentação simbólica de Jesus no deserto assemelha-se à tentação de Buda na floresta. É a tentação dos homens pelas fascinações dos bens terrenos. Quando o homem se apega à terra (com t minúsculo, porque a terra que pisamos e não o Globo Terreno), ele se nega evoluir e é castigado pelas forças da evolução, que o impelem a sair da sua toca de bicho para atingir a condição existencial da espécie. A lei da existência não é o pó, mas a transcendência. Pode o homem andar de joelhos pelas ruas e as estradas, jejuar, mortificar-se, ciliciar-se quanto quiser, mas com isso não se tornará melhor. Voltará às reencarnações difíceis e dolorosas para aprender, no sofrimento e na decepção, que não se busca Deus rastejando, mas elevando-se no amor e na dedicação aos outros. As práticas religiosas de purificação são egoístas, aumentam a miséria humana e o apego do homem a si mesmo. As tentações que sofremos não vêm do Diabo, mas de nós mesmos, da nossa ignorância e do nosso apego hipnótico aos bens perecíveis da vida terrena. O Diabo é o Bicho-Papão dos adultos, o espantalho dos supersticiosos. Giovanni Papini, escritor católico italiano, contemporâneo, em seu livro Il Diavolo, escandalizou o Vaticano, pregando a conversão do Diabo. Não conseguia admitir esse mito impiedoso em sua teologia. O Padre Teilhard de Chardin, em seus estudos teológicos, negou a condenação eterna do Diabo. O Espiritismo se limita a mostrar a natureza mitológica do Diabo e a demonstrar, prática e logicamente, a impossibilidade da queda do Anjo Luzbel. A evolução espiritual é irreversível. O espírito que se elevou ao plano angélico não pode regredir, não pode ter inveja e outros sentimentos humanos. O anjo-mau é uma contradição em si mesmo, pois a Angelitude é a condição divina que o espírito busca e atinge na existência. A luta do homem para transformar o mundo é a luta do homem consigo mesmo, pois é ele quem faz o mundo, e o faz à sua imagem e semelhança. Deus criou a Terra e todos os mundos do espaço, mas deu cada mundo aos homens que os habitam, para que eles aprendam o seu ofício paterno de Criador, tentando criar o mundo humano que lhes compete. É evidente que existe o mundo físico, material, em que nascemos, vivemos e morremos. E é também inegável que, sobre esse mundo físico com os seus materiais, os homens construíram um mundo diferente, feito de artifícios humanos. O mundo material e sua contraparte espiritual (que os cientistas começam a descobrir como antimatéria) constituem o mundo natural. Mas sobre ambas as partes desse mundo natural os homens constroem os seus mundos factícios. Cada Civilização é um mundo imaginário que o homem constrói com o seu trabalho, modelando em argila e pedra os seus sonhos e as suas ilusões. Esses mundos artificiais são o reflexo das ideações humanas na matéria. Nós os criamos, alimentamos, desenvolvemos, dirigimos e matamos. Os mundos bárbaros criados na Terra eram ingênuos; os mundos civilizados apresentam uma gradação que reflete a evolução humana, indo das civilizações agrárias, fantasiosas e alegóricas até às grandes civilizações orientais, massivas e arrogantes e às Civilizações Teocráticas, míticas e supersticiosas; chegando às Civilizações Científicas, politeístas e pretensiosas, que se transformam em Civilizações Tecnológicas, materialistas e conflitivas, que morrerão para dar lugar à Civilização do Espírito, na busca cultural da Transcendência. Segundo Toynbee, mais de vinte grandes civilizações já existiram na Terra. Agora está surgindo aos nossos olhos e sob os nossos pés uma Nova Civilização - a do Espírito - que podemos chamar de Cósmica ou Espiritual. É para preparar o advento dessa Civilização do Espírito que o Espiritismo surgiu. Não adianta querermos fazer do Espiritismo uma religião dogmática, carregada de misticismo tolo ou de materialismo alienante. As novas gerações que se encarnam para realizá-la não temem a Deus nem ao Diabo, simplesmente confiam nos planos irreversíveis de Deus, que se executam segundo as leis da consciência humana em relação telepática permanente com as entidades angélicas a serviço de Deus. O Espiritismo é a Plataforma de Deus, aprovada pelos Espíritos Superiores para a transformação e elevação da Terra.

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