André estava ajudando a mãe dele a
arrumar a sala para a festa. Armaram o presépio. Penduraram bolas na árvore.
Enfeitaram as portas. Pintaram os vidros da janela. Tudo para o Natal. E André
quis saber:
- Mãe, que é Natal?
- É a festa do nascimento do menino
Jesus.
Mas antes que ela explicasse mais, a
campainha tocou. Tia Marta e tio Waldemar estavam chegando. Ele estava muito
contento e disse:
- Minha loja está cheia de gente
comprando coisas. Vou faturar firme. Natal é um tempo ótimo para ganhar
dinheiro.
Mas tia Marta não parecia contente.
Estava era muito cansada. Sentou numa poltrona, tirou os sapatos, pediu um copo
d´água e falou:
- Esse negócio de comprar presentes
me mata. Natal é um inferno.
André ouviu aquilo e ficou pensando.
Não estava entendendo nada. Saiu da sala e foi para o quintal. No corredor,
ouviu a irmã mais velha falando no telefone:
- Estou louca para chegar logo o
Natal, para eu usar meu vestido novo.
E na cozinha, no meio de uma porção
de formas e panelas, a cozinheira reclamava:
- Eu não agüento mais. Todo Natal é
esta trabalheira...
Cada vez André entendia menos. Ainda
bem que Henrique estava brincando na calçada. Henrique era o primeiro aluno da
classe, sabia sempre todas as lições, respondia a tudo. Devia saber. André
resolveu perguntar:
- Henrique, que é Natal?
- É a capital do Rio Grande do
Norte.
Mas Tião, o filho do porteiro do
prédio ao lado, corrigiu:
- Natal era um cara lá de Madureira,
que ajudou muita gente. Ele era da Portela, mas já morreu.
Lá dentro, um anúncio no rádio
gritava:
- Aproveite o Natal e troque sua
geladeira!
E depois:
- O Natal é um presente que você
trabalhou para merecer.
É... O Natal de Henrique e o do
rádio não podiam ser o mesmo. Enquanto André pensava, viu que a avó vinha
chegando. Depois de lhe dar um beijo, ela perguntou:
- Você está se portando direitinho,
André? Amanhã é Natal, dia de menino bonzinho ganhar presente.
André resolveu perguntar ao pai, de
noite, quando ele chegasse do trabalho. E ouviu isto:
- É um dia ótimo, feriado. Não tenho
trabalho.
Antes de dormir, André ficou
deitado, pensando naquilo tudo. A cabecinha dele lembrava todas aquelas coisas:
Natal é o nascimento de Jesus. É
um tempo ótimo para ganhar dinheiro. É dia de ficar em casa sem trabalhar. É
uma trabalheira. É um presente. É um inferno. É hora de trocar a geladeira. É
um homem lá de Madureira, É a capital do Rio Grande do Norte. É dia de botar
vestido novo. É dia de menino bonzinho ganhar presente.
No dia seguinte, André resolveu falar
com Manuel. É que Manuel era o maior amigo dele, colega na escola pública, um
menino muito pobre, filho de dona Maria e de seu José, marceneiro e biscateiro
que morava na favela ali perto.
- Manuel, eu queria descobrir o
Natal de verdade.
- Natal é o que a gente acha que é.
Cada um tem o seu, de um jeito diferente. Para você, Natal é o que, André?
- Sei lá... Um dia de estar todo
mundo junto, alegre, Uma festa.
- É isto mesmo. Mas tem alguns
segredos.
- Já sei, Precisa ser bonzinho...
- Nada disso. Precisa é ser bom. Bom
mesmo. Emprestar brinquedos para os outros. Não maltratar os animais. Não bater
em menino menor.
- Em maior pode?
- Às vezes, pode, que nem no outro
dia, quando o João queria quebrar a bicicleta da Tereza e você não deixou. Mas
o melhor é descobrir sozinho os segredos do Natal.
Então André convidou:
- Você não quer vir com seus pais
passar o Natal lá em casa conosco?
Manuel deu um sorriso muito maroto,
de quem estava aprontando alguma brincadeira:
- Querer, quero. Mas nós vamos estar
muito ocupados hoje... Não posso prometer. Quer dizer, não vou, mas vou.
E os dois se despediram.
De noite, começou a festa, linda.
Uma porção de coisas gostosas em
cima da mesa. Uma porção de presentes junto da árvore. Uma porção de gente chegando,
sorridente, de roupa nova. Os avós, os tios, os primos, os irmãos, os amigos.
Só Manuel não chegava com dona Maria e seu José.
Todo mundo ria e estava alegre.
Começaram a comer e a beber em volta da mesa. Mais tarde, cada um deu presentes
para os outros e foi muito divertido. André pegou logo uns carrinhos e foi
brincar perto de onde estava armado o presépio.
Então ele lembrou que aquela festa
toda era por causa do nascimento do menino Jesus. E começou a conversar com o
aniversariante, que estava quietinho lá no presépio, deitado na palha perto de
São José e de sua mãe, Maria.
- Como é, Jesus, está gostando de
sua festa? Sabe de uma coisa? Eu nunca tinha reparado, mas você é a cara do
Manuel...
Aí o menino Jesus do presépio piscou
o olho para André, e deu aquele mesmo sorriso maroto do Manuel. André sabia que
não era sonho, que não era porque estava tarde e ele também já estava piscando.
Era porque Manuel tinha vindo mesmo ao Natal dele.
E André ficou ainda mais feliz. E
aprendeu então o segredo do Natal. Aprendeu
que Natal é um dia de festa, mas não é muito diferente dos outros dias. Quem é
interesseiro o ano todo, continua interesseiro no Natal. Quem é resmungão,
continua resmungão. Quem é invejoso, também. Quem só pensa em comer, só vê
comida. Quem gosta das pessoas fica feliz porque todo mundo está alegre junto.
E quem é bom e quer encontrar o
Natal de verdade pode até descobrir que o menino Jesus é um amigo da gente.
Fonte:
O Natal de Manuel, Ana Maria Machado - Editora Nova Fronteira, 1985, RJ.
3 comentários:
Amei essa história. Obrigada! E feliz Natal!
linda história! parabéns!
Bacana estória, gratidão.
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